domingo, 30 de maio de 2010

Cemitério de Casas - Parte II


 A parada já terminara, só sobrara o caminho que quase acabara.
Foram ter a um descampado, sombrio, escondido do sol, só sobressaindo as sombras dos andares. Havia de lá de tudo, moradias de cem andares, prédios só com o piso terreno. Nada, era o que se sentia por lá, nada, era o que passava por lá, nada era o que se ouvia por lá, nem a voz do seu fado nem o murmúrio da sua lamentação, Fauna nenhuma, nem pombos a planarem nem ratos a escavarem nem baratas correrem, Flora alguma, daninhas desistiam, heras decresciam, tudo era fugidio.
O filme acabara sem galardões a entregar, Oscar's definhados nem existiam, para aquelas que o sopro já não sobrevivia. Agora só o pouco testemunho que deixavam, mesmo ao ponto de inexistir, da sua efémera magia.
Então escolhiam os seus lugares ao acaso e a sua posição como cabiam, verticalmente ou horizontalmente, desalinhadas ou centradas, apertadas ou alargadas, simplesmente como lhes servia. E o que lhes servia, servia aos outros, compunham-se como os outros lhe convinha sem a preocupação da linha que antes faziam. Mas elas eram em demasia, sempre que uma se mexia a última da fila se arrependia.
Que tristeza era a sua, ansiando que, os que nunca sentiram a sua mágoa de existir para deixar de ser, não tivessem a fortuna que saía a estas poucas mais cedo do que se esperava, e fossem as afortunadas que são mais do que lhe projectaram.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cemitério de Casas - Parte I

Foram construídas não se sabe bem para que. Desabitadas desde o inicio, foram o sono dos pobres e o desinteresse dos abastados. Demasiadas para todo este demasiado povo, agora caminham para o seu eterno descanso.Iam para um lugar já predeterminado, em fila calma e ordenada, se é que se pode chamar calmo um passo delas ou até ordenado a miscelânea que existia, portanto nada mais se tratava que uma fila. Embora marchassem notava-se no movimento, que se reparava desde que a primeira fila se formara, uma tristeza sombria apontada pela sua cor esbatida. Sentiam-se como um reformado caminhando para a angústia do lar.
Que elas notavam mais era a falta de observadores desta estranha parada, doentio espectáculo, já os habitantes se habituaram, apenas algumas crianças perscrutavam por entre as cortinas mas por alguns breves instantes.



quinta-feira, 13 de maio de 2010

Casa da Pedra Filosofal

Era tudo o quanto ela me dizia, nada mais exprimia, tudo escondia menos a Pedra Filosofal, como se apenas no sonho nos encontrássemos, constantemente numa nuvem bem definida. E de repente, era assim do nada, como um ser iluminado, fumo desvanecendo, nevoeiro matinal já não difuso. Em dias que o tempo parou, gravou, riscou. Em dias que o tempo parou, gravou, riscou...Por isso escrevo na esperança que ela ouça o meu pedido, de desculpas, de socorro, de abrigo, não consigo. Por isso deixa-me mais próximo de ti apenas com a Pedra. Para termos a nossa tela, cor, pincel, base, fuste e capitel. Para criarmos um desembarque de foguetão sobre a superfície de Júpiter. Tento ter a forca para levar o que é meu, nem tento pegar em nós. Mas devo concordar que às vezes falta-nos a razão.

terça-feira, 11 de maio de 2010

IndieLisboa

Independente, filme de baixo valor, sempre de poucos trocos. Assustador, terrorífico, esclarecedor. Mas este acaba quando termina. Não resiste ao cair do pano. Livre demais para ser apresentado, preso aos locais do costume.
"Boa tarde,
Fala Ricardo Torga
Em que posso ser útil?"

Que merda de conversa, lambendo as bolas de quem liga. Somos a pastilha colada à solda do sapato espezinhado pela a multidão que passa por nós.

"Existe mais alguma coisa que possa ser útil?
Muito obrigado por ter ligado, um resto de boa noite.
Disponha Sempre!"